
A frase em si não é original. Mas deixo a busca pela sua origem de lado.
Já desejei um amor pronto. Assim já todo feito, embalado pra presente. Só desembrulhar e usar.
Um amor assim viria com manual de instrução. E, é claro, com certificado de garantia. Caso desse algum defeito, poderia ser trocado. Minha total satisfação ou meu dinheiro de volta.
Um amor assim deveria vir exposto em prateleiras. A gente ia percorrendo-as, como num mercado, vendo cada um desses amores, comparando-os uns com os outros, para melhor escolher.
Um amor assim já pronto deveria vir também com prazo de validade. Ou alguém aí duvida que um amor pronto, mesmo sendo pronto, mesmo por ser pronto, não teria prazo de validade? Isso já ajudaria na escolha: amor para um ano, para dois, para dez anos. Amor para sempre – seria possível um amor assim?
Um amor pronto. Acondicionado numa embalagem bonita e prática. Nem mesmo precisaríamos desembrulhá-lo. Poderíamos, quem sabe, apenas deixá-lo exposto em nossa estante para mostrar aos amigos: eis aqui o meu amor. Mas você não vai abrir? Não. Vou deixar esse amor para uma ocasião especial.
Pois bem. Já quis um amor pronto. O problema é que só depois que eu o adquiri é que descobri algumas coisas interessantes. O manual de instrução vinha escrito numa mistura de chinês com russo, o prazo de validade tava meio apagado – nunca consegui entender se estava escrito para sempre ou para nunca. E não havia Procon que desse conta das reclamações.
Mas o pior vocês não imaginam: mesmo com a embalagem aberta o amor não saia. Parece que ele gostava de ficar dentro da caixa. Gostava de ser visto, claro. Era pra ser visto. Um amor pronto: pronto para ser mostrado, pronto para ser visto. E era só isso: era um amor que se bastava.
Por mais que eu virasse a caixa de cabeça pra baixo o amor não saía – comprazia-se em desafiar até mesmo a lei da gravidade. Chacoalhei a caixa pra todo lado e nada. Devolvi. Pelo menos aceitavam devolução. Explicaram-me que a procura continuava grande e mesmo um amor pronto de segunda mão tinha mercado.
Desisti dessa coisa de amor pronto. Com muita relutância.
Fiquei sabendo que há um outro amor. Esse, não se encontra pra comprar. Encontra-se, por assim dizer, no susto. De repente dá-se de cara com ele, sem saber.
Nem mesmo parece amor, e já lhes digo porque: é um amor não-pronto. Inacabado. Incompleto.
Nem se percebe o que é quando se encontra. A gente fica olhando meio assim de lado, de rabo de olho. Desconfiamos: será que isso aí é amor? Parece não. Está assim meio que faltando uns pedaços.
Disseram-me, todavia, que é amor. Mas é assim um amor que ainda não existe. Como assim não existe? Bem, não existe, mas pode existir.
Meio complicado isso de encontrar um amor que não existe. Se não existe como é que pode ser encontrado?
Fico dando voltas no texto apenas porque dizer o que se segue me incomoda de tal maneira que preferia não ter que dizê-lo. Seria bom não dizê-lo. Mas não posso, enfim, deixar de dizê-lo porque agora é ele quem me diz.
Explico.
Desde que o encontrei, sou dito por esse amor que não existe porque é inventado. Inventado porque não é pronto. Não é pronto porque é incompleto. Porque me incompleta. Porque não é suficiente, porque nunca é o bastante.
Um amor inventado, que não cabe numa caixa porque transborda. Nunca está e nunca estará pronto porque se inventa a cada encontro, porque me inventa a cada encontro. Porque me transborda, me excede, me toma. E me mostra a cada dia a incompletude de ser amado.
Não tem garantias, pois é da ordem do risco, da aposta. Também não tem validade: dura tanto um instante quando uma eternidade. Não se pode devolver: eu não o peguei nem ele me pegou – apenas nos encontramos.
O meu amor inventado tem lindos olhos puxados e uma pele morena.E me inventa todo dia.
